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O IVA Dual Brasileiro: Desvendando o Novo Sistema de Tributação sobre Consumo (LC nº 214/25)

A Reforma Tributária sobre o consumo no Brasil, concretizada pela Emenda Constitucional nº 132/23 e como os novos tributos instituídos pela Lei Complementar nº 214/25, introduz um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que é classificado como “IVA-Dual”. Isso significa que, em vez de um único imposto federal unificado, teremos dois tributos distintos operando sob a lógica do IVA, cada um sob uma esfera de competência.

  1. Os Dois Pilares do IVA Dual

O cerne do novo sistema de tributação sobre o consumo reside na criação de dois tributos principais, que substituirão a maioria dos tributos atuais:

  1. Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)

Natureza: É um imposto de competência compartilhada entre Estados, Municípios e o Distrito Federal (Art. 1º, I).

Substitui: O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

Alíquotas: Cada Estado e Município fixará sua própria alíquota do IBS, e o Distrito Federal exercerá as competências estadual e municipal (Art. 14, II, III e IV). O IBS incidente sobre cada operação será a soma da alíquota do Estado de destino e da alíquota do Município de destino (Art. 15).

  1. Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS)

Natureza: É uma contribuição de competência exclusiva da União (Art. 1º, II).

Substitui: O Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Alíquotas: A União fixará a alíquota da CBS (Art. 14, I).

A Estrutura do IVA Dual

  1. Princípios Essenciais do IVA Dual (Pelo Lado da LC 214/25)

A Lei Complementar nº 214/25 detalha como os princípios da Emenda Constitucional nº 132/23 serão aplicados na prática para o IBS e a CBS.

  1. Não Cumulatividade Plena (Art. 47)

Conceito: Este é o princípio mais importante do IVA. Garante que o contribuinte possa se creditar integralmente do valor do IBS e da CBS pago em todas as etapas anteriores da cadeia de produção e comercialização, exceto àqueles consideradas de uso ou consumo pessoal, previstas no art. 57 dessa LC. Isso elimina o “efeito cascata” (tributação sobre imposto já pago).

Operacionalização:

      • Crédito Fiscal: O contribuinte sujeito ao regime regular tem direito a apropriar créditos de IBS e CBS sobre suas aquisições (Art. 47, caput), desde que o imposto da operação anterior tenha sido efetivamente extinto (pago).
      • Restrições: Excluem-se do direito a crédito os bens e serviços considerados de uso ou consumo pessoal (Art. 57).
      • Manutenção de Créditos: Em caso de operações com alíquota zero, os créditos tomados nas etapas anteriores são mantidos (Art. 52), garantindo a desoneração total daquele produto.
      • Anulação de Créditos: Para operações imunes ou isentas, os créditos relativos às operações anteriores devem ser anulados (Art. 51), salvo exceções (ex: exportações, Art. 51, §2º, I).

O Fluxo da Não Cumulativida de Plena

 

  • 2. Tributação no Destino (Art. 11)

Conceito: O IBS é devido no local onde o bem ou serviço é consumido ou utilizado, e não mais no local de sua produção ou origem.

Local da Operação (Art. 11): A LC 214/25 detalha criteriosamente o “local da operação” para diferentes tipos de bens e serviços (ex: bem móvel material no local da entrega, serviço sobre imóvel no local do imóvel, demais serviços e bens imateriais no domicílio do adquirente).

Impacto: Essencial para acabar com a “guerra fiscal” entre estados e municípios, direcionando a arrecadação para o ente federativo onde o consumo efetivamente ocorre.

O Princípio do Destino

Cenário ANTIGO (Guerra Fiscal):

Empresa Fabrica em ESTADO A (produz) –Vende– Consumidor em ESTADO B (consome)

| ICMS/ISS para ESTADO A (origem)

| Incentivos para atrair produção

Cenário NOVO (Fim da Guerra Fiscal):

Empresa Fabrica em ESTADO A (produz) –Vende– Consumidor em ESTADO B (consome)

| IBS para ESTADO B (destino)

| Foco no consumo, não na produção

  • 3. Alíquota Única (para cada esfera) e Regimes Diferenciados (Arts. 14, 16, 125-149)

Regra Geral: O objetivo é ter uma alíquota única para o IBS (definida por Estado/Município) e outra para a CBS (definida pela União) que se aplicaria à maioria das operações (Art. 16).

Transparência: O imposto será “por fora” (não compõe a própria base de cálculo, Art. 12, §2º, I), tornando a carga tributária mais visível.

Exceções à Alíquota Padrão: A LC 214/25 estabelece uma série de regimes diferenciados com:

Alíquota Zero (Art. 143): Para dispositivos médicos, de acessibilidade, medicamentos específicos, produtos de saúde menstrual, hortícolas/frutas/ovos, automóveis para PCD/motoristas profissionais, serviços de ICT sem fins lucrativos. Importante: A alíquota zero mantém os créditos anteriores (Art. 52), desonerando totalmente a cadeia.

Alíquotas Reduzidas (Art. 127, 128): Redução de 30% e 60% para setores como educação, saúde, medicamentos em geral, contabilistas, insumos agropecuários, atividades artísticas/culturais, comunicação institucional, atividades desportivas, bens/serviços de segurança nacional.

Isenção (Art. 157): Para transporte público coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano.

Regimes Específicos (Arts. 172-296): Setores como combustíveis (monofásico), serviços financeiros, planos de saúde, concursos de prognósticos, bens imóveis, cooperativas, bares/restaurantes, hotelaria, agências de turismo e SAF (Sociedade Anônima do Futebol) possuem regras próprias para base de cálculo e/ou alíquotas.

  • 4. Ampla Base de Incidência (Arts. 3º, 4º e 5º)

Conceito Abrangente: A LC 214/25 define “bens” e “serviços” de forma muito ampla (Art. 3º), incluindo bens móveis, imóveis, materiais, imateriais e direitos.

Operações Onerosas: A regra geral de incidência é sobre operações onerosas (Art. 4º), que incluem uma vasta gama de transações (venda, locação, licenciamento, etc.).

Operações Não Onerosas Específicas: O imposto também incide em algumas operações não onerosas expressamente previstas, como brindes, bonificações e transferências para partes relacionadas (Art. 5º).

  • 5. Transparência e Facilitação da Cobrança

Base de Cálculo (Art. 12): A base de cálculo é o valor da operação, excluindo o próprio IBS e CBS, o IPI e os descontos incondicionais. Isso reforça a ideia do imposto “por fora”.

Split Payment (Arts. 31-35): Um mecanismo inovador onde as instituições de pagamento (cartões, Pix) segregam e recolhem o IBS/CBS diretamente para o Fisco no momento da liquidação financeira da transação. Isso promete reduzir a sonegação e a inadimplência, além de simplificar a vida do contribuinte na apuração

  1. Período de Transição

A Lei Complementar detalha um longo período de transição (Arts. 342-377) para a completa implantação do IBS e CBS, com fases de convivência dos novos tributos com os antigos, permitindo a adaptação gradual de empresas e governos.

Período Tributos – Atuais IVA – Dual Detalhamento
2026 PIS/Cofins

ICMS/ISS/IPI

Incidência Normal

IBS/CBS

Fase de Teste

Alíquota Teste

IBS = 0,1%

CBS = 0,9%

2027 a 2032 PIS/Cofins

Extinção em 2027

IPI

Reduzido a 0% a partir de 2027

ICMS/ISS

Tributação até o final de 2032

Alíquota da CBS Reduzida

(redução 0,1% nos anos de 2027 e 2028)

Redução gradual do ICMS/ISS e aumento gradativo do IBS.

A partir de 2029 até 2032

CBS: vigência plena a partir de 2027

IBS: Alíquota teste em 2027 e 2028, sendo:

(0,05% Estadual + 0,05% Municipal)

ICMS/ISS – Redução Gradual

I – 2029 – 9/10

II – 2030 – 8/10

III – 2031 – 7/10

IV – 2032 – 6/10

 

2033 ICMS/ISS

Serão Extintos

Novo Sistema Tributário Brasileiro de Consumo Implantado Transição Completada:

– Extinção Completa do ICMS/ISS

– Vigência Plena do IBS

  1. Conclusão

O IVA Dual brasileiro é um sistema ambicioso que busca simplificar e modernizar a tributação sobre o consumo, focando na não cumulatividade plena e na tributação no destino. A LC 214/25, ao detalhar esses princípios e mecanismos como o split payment, estabelece as bases operacionais para uma nova era fiscal no Brasil.

 

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